quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Rainha do sangue

Assim que chegou em sua mansão – após um longo dia – Mary Castell retirou a gravata que apertava sua garganta, logo a atirando no chão, seguido dos saltos que machucavam seus pés, a meia-calça que parecia estrangular suas pernas, o terno que prendia seus braços e aquela maldita saia limitando seus movimentos.
Finalmente estava livre, quando entrou em seu salão de treino um homem a aguardava meditando, não foi surpresa alguma vê-la entrando seminua, mesmo Mary possuindo um corpo de aparência dita como inalcançável, bem definido, forte, sem quaisquer manchas ou marcas, não era a primeira vez que via aquela miragem.
Ela vestiu seu quimono rapidamente, se pondo em posição de combate – sem cumprimentos ou qualquer coisa do tipo – pratica e objetiva como sempre.
Duas horas seguidas de treino sem paradas, um treino intenso, ambos ofegavam e pingavam suor quando terminaram, sem vencedores. Quando Dalia entrou anunciando que o jantar estava pronto sua postura mudou, voltando a parecer totalmente serena, mesmo com seus cabelos e rosto encharcados.
Após um convite rapidamente recusado para acompanha-la, Castell deixou seu mestre retirando o quimono, Dalia ajudou-a vestindo o roupão e lhe entregando uma toalha para seu rosto e cabelo.
Enquanto jantava Mary assistia noticias sobre economia e política, um candidato a prefeito foi assassinado em Hergos, seria coincidência Lexaror ter estado ali poucos dias antes? Ela duvidava.
Dalia permanecia ao seu lado pronta para atender sua mestra a qualquer momento, acompanhada por outros quatro serviçais ao redor da mesa.
—A senhora gostaria que eu já preparasse seu banho, mestra? — Sussurrou a jovem.
—Ainda não, Dalia. — Respondeu Mary. — Tenho assuntos para resolver, tudo está tudo pronto lá embaixo?
—Tudo perfeito, mestra. — Respondeu ela. — Não precisa se preocupar.
—Muito bem, vou descer então.
Assim que se levantou os empregados começaram a retirar a mesa.
Mary seguiu para o seu quarto, indo diretamente para o closet onde havia um alçapão que levava ao porão. Descendo as escadas ela tentava planejar o que faria, porém, a própria sabia que tudo acabaria por se tornar uma selvageria total.
Um jovem surgiu em seu campo de visão — completamente amarrado em uma cadeira — ele já estava ali a dez dias, faziam três que ela não o via, nesse tempo Dalia o havia alimentado e tratado seus ferimentos. A poucos metros do rapaz estava uma mesa com diversas ferramentas, objetos afiados e até mesmo a bateria de um carro com cabos conectados nela.
Destoando totalmente dos outros itens uma muda de roupa fora deixada sobre a mesa, Mary rapidamente atirou seu roupão para longe o trocando por uma saia justa e sua camisa mais velha, aquele era o único momento da vida em que ela não se importava com que roupa estava usando.
Quando retirou a venda do jovem sua agitação triplicou, somente duas pessoas desciam ali, Dalia para tratar seus ferimentos e ela para causa-los, não havia como confundi-las.
—Como tem passado, Josh? — perguntou ela arrancando sua mordaça. — Cuidaram bem de você?
—Por favor! Por favor! Me deixa ir! — Implorou o garoto. — Juro que não vou contar para ninguém.
—Pobre Josh. — Caçoou Mary pegando um alicate. — Bem que dizem: “A esperança é a última a morrer.”
Antes mesmo que ele pudesse perceber o alicate entrou em sua boca sendo fechado com sua bochecha entre ele. Um grito ensandecido tomou conta do porão, porém nem um decibel escapou do lugar graças ao isolamento que custou bem mais caro para não existir nos registros, assim como não seria comentado fora dali.
—Isso mesmo! Grite! — Gemeu Castell. — O mais alto que puder! Até sua garganta sangrar!
Quando o alicate deixou sua boca Josh aproveitou para cuspir todo sangue nela na mulher que o torturava, cobrindo metade de seu rosto e manchando suas roupas. Com um olhar espantado ela tocou seu próprio rosto, as pontas de seus dedos foram pintadas de um vermelho intenso, que desapareceu entre os lábios da mulher.
—Parabéns, vadia. —Disse Josh com dificuldade. — Sabia que eu tenho AIDS?
Mary aproximou o rosto do rapaz, segurou seu queixo e sussurrou em seu ouvido.
—Você fica tão bonitinho mentindo. Só para você saber, antes de começarmos, eu verifiquei cada doença que pudesse ter, você é um jovem muito saudável.
A cabeça do jovem baixou como se fosse pesada demais para mantê-la erguida, por que aquilo estava acontecendo com ele? O que havia feito de tão ruim para merece-lo?
Seus pensamentos foram rapidamente cortados pela terrível dor de um prego atravessando seu braço. Nas mãos de Mary estava uma pistola, um de seus brinquedos favoritos. A pistola de pregos é rápida e não exige esforço algum, sua única desvantagem é não transmitir a sensação de estar perfurando o corpo.
—Por quê? — Gritou Josh entre as lagrimas. — O que eu te fiz? Você está ganhando alguma com isso?
Um sorriso doce e sincero tomou o rosto da mulher.
—Claro que estou querido. — Ela acariciou seu rosto. — Sei o quão terrível tudo isso parece para você, no entanto, do meu ponto de vista, é o maior prazer que existe.
Mais um prego perfurou a pele do jovem, dessa vez em sua coxa, Castell pode ouvir cada centímetro do músculo sendo rasgado, alojando-se perfeitamente no lugar, como se fosse feito para estar ali, uma onda de puro prazer a percorreu.
—Coloque sua língua para fora. — Ordenou ela.
O garoto balançou a cabeça desesperado, fechando sua boca com toda força que pode.
—Não é um pedido! — Rosnou ela batendo a pistola em seu queixo. Um prego perfurou cada uma de suas orelhas, Castell não é alguém que aceita bem ser contrariada. —Abra a boca.
Ele voltou a se negar e dois pregos perfuraram seu ombro.
—Sua língua, Josh.
—Não... — gemeu o jovem.
Ela agarrou seu rosto e apontou a pistola diretamente para o olho de Josh.
—Vou ser direta, — começou Mary, — você pode passar seus últimos dias no escuro ou me obedecer logo!
Extremamente relutante ele abriu a boca e pôs a língua para fora, que logo foi trespassada por um prego, tudo estava sob controle de novo.
—Agora, acho que suas unhas cresceram muito nesses dias. — Disse ela pegando outro alicate.

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Após pouco mais de uma hora ambos estavam cobertos pelo sangue do jovem e exaustos, ela satisfeita enquanto ele agonizava, lutando para continuar vivo.
—Acho que está bom por hoje. — Disse Castell colocando um estilete ensanguentado sobre a mesa.  — Nos veremos novamente em breve, querido.
Enquanto subia as escadas ela pensava na sorte que dera encontrando aquele jovem, era raro as pessoas manterem a esperança por tanto tempo, provavelmente ele só se mantinha vivo graças a isso.
Assim que deixou o closet Mary se deparou com Dalia a aguardando em seu quarto, prontidão é algo muito valorizado por ela, algo que Dalia possui de sobra, a jovem conhece bem seus deveres.
—Seu banho já foi preparado, mestra. — Disse a jovem se curvando.
Mary tirou suas roupas as deixando ali mesmo e indo diretamente para o banheiro, antes de entrar na banheira ela se pôs sob a ducha para retirar o máximo de sangue possível, todo seu cansaço parecia descer ralo abaixo.
Uma banheira quente é uma das formas mais relaxantes de se terminar um dia, principalmente após tanto esforço, foi então — em seu momento mais relaxado — que ela percebeu haver algo errado. Algo a mais.
Por sua guarda estar baixa Mary demorou para perceber a maleta sobre o balcão da pia, um objeto que com certeza não deveria estar ali. Seu primeiro pensamento foi estar com uma bomba ao seu lado, porém, quando se levantou assustada, percebeu a carta selada por cera com um enorme L.
Seria impossível um de seus funcionários deixar aquilo ali sem ser visto por Dalia e ela duvidava que a jovem pudesse ter feito algo do tipo.
“Lexaror tem pessoas habilidosas ao seu lado.” Pensou ela. “Não sei se isso deve me confortar ou preocupar.”
Sem esperar ela vestiu a primeira roupa que encontrou e partiu para o seu escritório.
 Mary começou abrindo a carta, nela só havia um convite para uma festa na capital, São Cielos, que aconteceria em alguns dias. Já a mala estava repleta de coisas, todas muito interessantes, uma série de documentos sobre o grande empresário da área farmacêutica, Robert Davis, desde as ações de sua empresa e ONG’s que ajudava até seu peso e tipo sanguíneo, logo seguidos por diversas fotos dele fazendo sexo com várias mulheres diferentes, todas elas negras, Castell não estava gostando daquilo, também havia um pequeno comprimido numa embalagem de plástico escrito “sublingual”, um bilhete parecia explicar tudo aquilo.
“Senhorita Castell, estou a convidando para festa beneficente do senhor Robert Davis, onde deve mata-lo com este comprimido, caso possua uma arma mais eficaz e/ou consiga executar este serviço antes do prazo sinta-se livre para agir, apenas lembre de não deixar rastros.
L.S.”
Quase tudo fazia sentido agora, exceto pela carta de tarô segurando uma caveira sentada em um trono feito do mesmo.
Mesmo sem querer aceitar ela percebeu que aquela era uma representação sua, claro, ser chamada de rainha fazia seu ego aumentar e muito, porém Lexaror queria que ela seduzisse um velho decrepito e isso era o equivalente a chama-la de prostituta, Mary não aceita ser ofendida assim.
“Isso terá volta Lexaror,” pensou ela, “posso garantir.”
Porém, por enquanto, ela tinha um assassinato para planejar, enquanto pegava as plantas da mansão do senhor Davis a mulher se perguntava quais seriam as motivações para aquilo.


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Autor: Lexaror

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