domingo, 18 de novembro de 2018

O vilão


Vagner Santos, policial, vinte e dois anos de carreira, já havia visto de quase tudo nessa vida, porém as fotos em suas mãos ainda conseguiam perturba-lo, vinte feridos, quinze mortos, a maioria deles sem aparente conexão, apenas no lugar errado e na hora errada. Segundo as câmeras o garoto matou cinco deles para pegar suas maletas, o que haveria nelas? Provavelmente dinheiro em pelo menos uma.
—O que acha Katie? — Perguntou ele à sua parceira.
—Sobre o quê? — Perguntou ela que checava outro caso.
—Sobre o caso do “Chacineiro”, alguma ideia do que poderia estar nas malas?
—Tenho certeza que são drogas, quase sempre são.
Ele não podia negar, porém, pelo que sabia do “Chacineiro”, aquele não parecia o estilo dele, o jovem costumava ser totalmente aleatório sem se preocupar em roubar suas vítimas ou sequer escolhe-las. Talvez alguém o tivesse mandado fazer aquilo.
—Vagner! Katie! Na minha sala, agora. Tragam o caso do “Chacineiro”. — Chamou o chefe do departamento afastando seus pensamentos.
Sem demorar eles levantaram de suas mesas e seguiram para sala do comandante, lá dentro ele os aguardava com um homem usando um terno marrom e possuía uma barba ligeiramente grande.
—Esse é o detetive federal, Marco Ruiz. — Apresentou o chefe. — Ele é um especialista no “Chacineiro” e vai liderar a investigação. Devem reportar tudo que descobrirem para ele.
Após todos se apresentarem e os devidos cumprimentos o detetive federal pediu para a dupla apresentar os fatos até agora.
—Não temos muita coisa ainda. — Respondeu Vagner. — O que sabemos é: antes de ir ao estacionamento ele matou um homem na rua, o garoto sentou-se no caminho e isso acabou por irrita-lo, infelizmente ele não sabia com quem estava mexendo.
  “Os homens no estacionamento eram Johny Elms, Fabio Torres, Douglas Rouge, Gerald Tanaka e Stephano Silva. Elms e Silva já haviam cumprido pena, um por tráfico de drogas e o outro latrocínio.
“O ‘Chacineiro’ atirou em Rouge enquanto ele seguia na direção de Tanaka e seu grupo, acreditamos que eles pretendiam fazer uma troca, a suspeita principal no momento é tráfico de drogas. Tanaka já era suspeito de ter envolvimento com a máfia.”
—Ele pegou as maletas e foi embora? — Perguntou o federal sem se espantar. — Ele faz isso de tempos em tempos, acredito que em algumas situações Charles seja contratado como assassino de aluguel.
Ouvir o nome do “Chacineiro” era estranho para Vagner, o fazia lembrar que ele não passava de um garoto humano e não uma monstruosidade poderosa como parecia ser. O detetive tentou não pensar muito nisso para evitar perder o foco.
—Após isso ele entrou no shopping já disparando, — continuou o detetive, — matou seis pessoas lá dentro e outras quatro na rua. Testemunhas dizem que ele sorria como se fosse algo rotineiro e prazeroso.
“Sua última vítima foi a quinhentos metros do shopping, seguindo para região sudeste, temos patrulhas pela área, para o caso dele reaparecer.”
—É raro que isso aconteça, porém estão certos de se precaver. — Comentou o detetive Marco. — Certa vez quase o pegamos voltando na cena do crime, no entanto ele conseguiu matar os policiais no local e escapar.
—Difícil acreditar que um garoto é capaz de tudo isso. — Disse Katie espantada.
—Não se deve duvidar dele. — Respondeu Marco. — Charles poderia lidar com esquadrão da “Equipe de Elite Antiterrorismo”, coisa que já fez.
O silêncio pairou enquanto Vagner guardava as fotos e documentos do caso.
—Bem, — disse ele fechando a pasta, — isso é tudo que sabemos até o momento. Gostaria de visitar a cena do crime para ter uma visão melhor?
—Já o fiz. — Respondeu o federal prontamente. — Foi o primeiro lugar em que passei ao chegar na cidade.
—Se precisar de mais alguma coisa pode contar conosco. — Disse Katie levantando-se.
A dupla deixou a sala sem dizer mais nada, nenhum dos dois gostava da ideia de receber ordens de um federal, esse, porém, era um caso diferente, lidar com aquele que era o mais novo dos dez terroristas mais perigosos do mundo, fazia ambos deixar isso de lado, trabalhariam até com a “GIN” se fosse necessário. Apesar disso outra coisa incomodava o detetive.
—Não confio nesse homem. — Sussurrou ele para sua parceira.
—São seus “instintos” falando? — Perguntou ela.
—Sim, — respondeu Vagner, — acho que ele esconde algo. Não gosto disso.
—Vag, você não trocou meia dúzia de palavras com o cara. Como sabe que ele esconde algo?
—E por acaso meus instintos já erraram? — Questionou o homem.
—Várias vezes. — Debochou ela.
—Mas estou certo na maioria. Isso que importa.
Katie riu enquanto voltava para sua investigação.

------- † -------

Três dias é muito tempo para Vagner, ele precisava encontrar alguma pista que levasse ao “Chacineiro” logo ou poderia perder seu caso, o problema é que o garoto era escorregadio, nenhuma câmera na região do último lugar em que agiu o identificou, assim como ninguém parece tê-lo visto andando por ali. Ele provavelmente estava em algum esconderijo e com certeza havia alguém o ajudando.
—Trouxe seu chá. — Disse Katie afastando seus pensamentos. — Cuidado, está quente.
—Obrigado. — Respondeu ele pegando o copo.
Os dois se recostaram na parede da construção diante do maior shopping da cidade, ambos pensavam no que fariam, não eram grandes as chances de encontrar uma prova que mudasse tudo a seu favor.
—Café preto? — Perguntou Santos quebrando o gelo.
—E sem açúcar, não consigo começar meu dia sem isso. — Respondeu a policial.
—Não sei como consegue tomar um copo tão grande disso. — Disse ele. — Vamos entrar?
—Vamos. — Respondeu ela dando um grande gole. — Não sei do que está falando, pelo menos eu não bebo chá como um inglês metido.
Vagner riu enquanto atravessavam a rua.
Lá dentro tudo estava revirado, buracos de bala se espalhavam por toda parte, assim como demarcações de corpos, o mais terrível de tudo era saber que aquela era uma de suas ações com menos mortes.
Não havia tempo para pensar na tragédia a sua frente, eles precisavam encontrar alguma pista nova.

------- † -------

Após uma hora de buscas sem novidades ambos pensavam em desistir, nesse momento Vagner recebeu a ligação de um número desconhecido.
—Encontramos ele! — Disse uma voz que parecia saber de tudo. — Vá agora para rua das Padroeiras, já acionamos uma equipe da “EEAT”.
—Quem era? — Perguntou Katie assim que desligou.
—Pela voz metida acho que era nosso novo chefe, Marco Ruiz. — Respondeu ele sem saber se estava irritado ou animado. — Parece que encontraram nosso garoto.
Sem esperar os dois partiram dali, aquele poderia ser o ponto alto da carreira de Vagner, pegar o maior terrorista do país, talvez recebesse uma medalha, sem contar o bem que tirar aquela monstruosidade das ruas faria. Mas acima da animação estava o sentimento de angustia, algo daria errado, uma investida contra o “Chacineiro” nunca acabava sem vítimas, ele apenas torcia para que o mínimo de pessoas morresse.
Quando a dupla chegou no local a rua estava vazia, exceto por dois homens passeando com seus cães cada um indo na direção oposta do outro. Quando um deles avistou o carro ele acenou para que parassem.
—A área está fechada no momento. — Disse o homem quando o vidro foi baixado.
—Somos policiais. — Respondeu Vagner mostrando seu distintivo. — Estamos aqui para a operação.
—Deem a volta e estacionem do outro lado. — Ordenou o homem. — O restante da equipe está na igreja.
Katie manobrou o carro e retornou, em frente a igreja haviam dois furgões da “EEAT” e meia dúzia de carros oficiais. Entrando a dupla descobriu que quase todo o departamento estava ali, incluindo o chefe.
—Detetives! Finalmente chegaram. — Saudou Marco. — Estávamos os aguardando. Vamos repassar o plano uma última vez.
“O suspeito está em um edifício abandonado, ele possui cinco andares então vamos nos dividir em três equipes a primeira ira cercar o prédio, podem esperar que ele salte de qualquer andar, nosso alvo é imprevisível, a segunda equipe ira vasculhar o andar enquanto a terceira subira para o próximo, tendo sempre uma equipe no andar inferior da outra. Boa sorte a todos.”
Ninguém ali parecia demonstrar total segurança, mesmo que a missão tivesse sucesso era provável que alguém morresse, afinal não era um simples garoto com uma arma.
Um grupo da “EEAT” seria o primeiro a entrar seguido por outro da polícia, liderado por Ruiz.
O silêncio reinava na rua quando cercaram o prédio, não haveria aviso prévio, eles apenas entrariam e tentariam prende-lo vivo, contrariando o desejo da maioria de entrar atirando. Quando a porta da frente foi derrubada tudo se tornou um caos organizado, com uma confusão de gritos de comando e botas com metal batendo no chão.
O primeiro andar estava limpo.
Assim como o segundo.
Foi no terceiro que a sorte veio. Lá estava ele, deitado em posição fetal no quarto alojamento do andar, dormindo tão profundamente que nem percebeu a movimentação ao seu redor, toda equipe o rodeou com armamento pesado apontado contra ele. Ruiz puxou seu braço e passou uma algema em seus punhos finalmente o acordando.
—Ei! O que é isso? — Perguntou ele assustado.
—Você está sendo preso Charles. Finalmente aca... — Marco percebeu que estava enganado.
Charles é conhecido por ter uma aparência jovem, mais do que realmente é, aquele a sua frente com certeza já passava dos quarenta e possuía uma barba suja que começava a ficar branca.
—Quem é você? — Perguntou o federal claramente transtornado.
—Sou o Carlos. — Respondeu o homem assustado.
Vagner já entendia o que estava acontecendo, isso explicava porquê não haviam encontrado imagens do garoto pela região, ele trocou de roupa com um morador de rua qualquer e escapou sem ser reconhecido.
Não havia como negar que ver o federal desesperado gritando com um homem que claramente não sabia de nada era divertido, porém Vagner se sentia desanimado por não terem encontrado seu alvo, mas ainda havia esperança.

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Aquele era o interrogatório mais violento que Vagner já havia visto, mais parecido com tortura que qualquer outra coisa, o federal socava a face do pobre morador de rua entre as perguntas e, caso ele não soubesse responde-las, seu estômago era esmurrado.
—Sei que ele tem carta branca para fazer qualquer coisa que leve ao “Chacineiro”, — disse o chefe de departamento que observava a cena ao seu lado, — mas acho que isso já é demais.
—Ele já disse tudo que sabia. — Respondeu o detetive. — Ele só quer descontar a raiva em alguém.
—Ele ainda está nessa? — Perguntou Katie que voltava após dez minutos para fumar. — Alguém tem que parar ele.
—Infelizmente ninguém tem autoridade para isso. — Disse o chefe balançando a cabeça.
Vagner decidiu tomar uma atitude, não podia mais ver aquilo quieto.
—Detetive Ruiz! — Chamou ele pelo interfone. — Parece que a inteligência encontrou alguém próximo da descrição pelas câmeras da região.
Agora bastava contar com a sorte de a inteligência ter encontrado algo. Quando o federal deixou a sala, limpando as mãos com um lenço, estava claramente mais aliviado do que quando chegou com o suspeito. Aquilo não passava de puro sadismo para Vagner, quando o sistema havia se tornado tão podre? Mesmo que fosse para pegar o “Chacineiro” ele não podia concordar com toda aquela violência.
—Vamos pegar um copo de café e ver se descobriram algo. — Disse ele para sua parceira.

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Autor: Lexaror