quarta-feira, 4 de abril de 2018

Deixando o inferno

A tarde já caia quando Mark Roren chegou a cidade de Grande Miguel, ele só havia ido até a cidade vizinha para visitar uma pequena exposição de fotos antigas e tentar aumentar sua coleção pessoal. Em momento algum ele se imaginou na situação em que esteve horas atrás, rodeado por maníacos.
Claro que, assim como os outros, ele também era um assassino em série, no entanto sua situação é totalmente diferente. Não é algo que ele faz simplesmente pelo prazer e sim para afastar as terríveis dores de cabeça. Mas é claro que a oferta do senhor Simon é tão boa para ele quanto para os outros.
Caminhando pelas ruas cheias pelo horário de pico Mark sentiu uma forte pontada na cabeça, como se apenas de pensar nelas as invocasse, já era a décima na última hora e ele sabia que dali para frente só iria piorar.
Ele sabia que a poucos metros havia uma praça pouco frequentada. O céu vermelho do pôr-do-sol parecia invadir sua mente dolorida que implorava para se livrar daquela maldição da única maneira que sabia.
Roren apressou o passo em direção à Praça das Flores.
Em sua mochila ele carregava o álbum com as fotografias que havia comprado, a carteira com seus documentos e o dinheiro restante da viagem, uma máscara completamente negra com dois chifres e seu canivete, afinal nunca se sabe quando as dores vão atacar.
Enquanto escondia suas coisas em um arbusto mais denso um pouco afastado ele percebeu um casal deixando a trilha principal, um alvo fácil até demais.
Os dois andavam tão absorvidos em sua conversa que nem perceberam sua aproximação, mesmo sem ele se esforçar para ser silencioso. Cada passo mais perto era uma pontada mais forte em sua cabeça, o vermelho do céu parecia dominar totalmente sua visão, quente como o sangue que estava prestes a ser derramado.

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–Tem certeza? – Perguntou o rapaz.
–Sim, – respondeu a moça, – fiz o teste ontem.
–Ah meu Deus! – Exclamou o jovem a abraçando de repente. – Esse é o momento mais feliz...
Ele finalmente percebeu a aproximação do estranho que mais parecia um demônio sem rosto, porém já era tarde demais, não havia como fugir. Um grito fraco de dor escapou da mulher em seus braços e seu peso aumentou repentinamente, os fazendo cair de joelhos.
Seus instintos diziam para correr ou envolver a mulher com seu corpo para protege-la, porém, por mais que tentasse, seu corpo não se movia. A sua frente o demônio parecia observar seu pânico se deleitando, sua respiração pesada e barulhenta fazia toda sua pele se arrepiar, mesmo sendo muito maior que ele. Em sua mão ele notou uma pequena faca que pingava o sangue de sua amada.
Ele tentou gritar. Porém sua voz parecia ter desaparecido.
O demônio começou a se mover, o rodeando lentamente, sem desviar seu olhar inexistente de suas presas. A respiração do monstro atrás de si conseguia ser mais aterrorizante que sua visão. Algo cutucou suas costas fazendo um leve gemido dolorido escapar de sua garganta.

------- † -------

Mark ergueu seu canivete o mais alto que pode, ajoelhado diante dele com uma mulher em seus braços estava o alívio para suas dores. Ele baixou a lâmina entre o pescoço e o ombro do jovem, não houve resistência alguma. Quando retirou o canivete um jato de sangue subiu quase atingindo sua máscara. Conforme o sangue escorria e a vida do rapaz se esvaia. As dores deixavam sua mente e o vermelho em seu olhar era substituído pelo em suas mãos.
Sem perder tempo Roren deixou o lugar, não havia mais nada que o interessasse por ali.
Sua mochila continuava exatamente onde havia deixado, Mark retirou sua máscara, a guardou junto com o canivete e saiu da praça com as mãos enfiadas nos bolsos, afim de esconder as marcas do que havia acabado de fazer.

------- † -------

A tarde já ia embora quando finalmente chegou na rua de casa, ao olhar para cima ele pensou em como o céu estava bonito.
–É realmente bom poder aproveitar essas coisas simples. – Sussurrou para si mesmo.
–Boa noite, senhor Roren! – Gritou um de seus vizinhos passando de bicicleta.
Mark baixou o olhar imediatamente encarando ele irritado e acelerando seu passo como resposta, sua casa já estava a poucos passos.
–Por que sempre tem um desgraçado para estragar tudo? – Se perguntou ele destrancando a porta.
A casa do homem chamado de Diabrete não chega perto do que as pessoas imaginariam, revirada e repleta de sujeira ou escura com caveiras e velas como enfeite, era na verdade um lugar comum e muito aconchegante, exceto pelas grades nas janelas, as três travas na porta da frente e as tábuas prendendo a dos fundos. Uma casa comum para um senhor de idade, pelo menos um consideravelmente paranoico, com sua televisão antiga de tubo, seu rádio que parecia não ser usado havia anos, uma poltrona próxima a lareira, mesmo havendo um aquecedor no canto da sala, diversos quadros com fotos antigas, somente suas favoritas, e uma prateleira repleta de álbuns com o restante de sua coleção.
Com uma inspirada profunda o velho absorveu o cheiro reconfortante do seu lar, segurança e paz finalmente. Roren sentia que sua casa era quase um pedaço fora do mundo ruim e sombrio que ele deixava agora.
Aquele mundo mau e doloroso ficava para trás com o simples bater de uma porta.


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Autor: Lexaror